"Talvez foi o melhor momento da nossa história desde o fim da era Senna. E não falo só da fase na Fórmula 1, com Felipe Massa protagonista pela Ferrari lutando por títulos."
Tudo começou com um debate em um grupo de Whatsapp sobre a Fórmula E no Brasil. Começou falando do acordo de transmissão anunciado com a TV Cultura e desgarrou para possíveis palcos de um possível-provável-sonhado EP em terras brasilis.
Começou com São Paulo, por conta do fator política (que permeia todos os assuntos atuais independente da esfera, seja ela esportiva, social, cultural e por aí vai), já que a Cultura é uma emissora com aporte governamental. Depois passamos para o Rio, com a ideia de pista de Nelsinho Piquet no Parque Olímpico sendo confrontada com a de um traçado em um dos cartões-postais da cidade na Zona Sul – mais próxima da filosofia do campeonato.
Por fim, surgiu o nome Brasília. Uma corrida nas largas e amplas avenidas da Capital Federal seria fantástico, mas uma pá de cal na ideia da conclusão da interminável reforma no Autódromo Internacional Nelson Piquet, que está desativado desde 2014, após 40 anos sem reformas.
No entanto, essa reforma já virou uma novela que já deveria ter contado com alguma atitude da comunidade do automobilismo, da própria CBA ou, quem sabe, até do cara que dá nome ao autódromo e mora na cidade. Mas isso já é assunto para outra conversa.
No meio do debate, lembrei de uma exibição da Red Bull em Brasília e busquei imagens no infalível Google. E foi olhando esse evento que embarquei numa máquina no tempo e me deu aquela vontade de refletir sobre aquele momento que nosso esporte vivia.
Talvez foi o melhor momento da nossa história desde o fim da era Senna. E não falo só da fase na Fórmula 1, com Felipe Massa protagonista pela Ferrari lutando por títulos. O fã e entusiasta brasileiro de corridas tinha como cenário campeonatos nacionais fortes, corridas internacionais de peso e eventos grandes acontecendo – tudo bastante acessível, mesmo para os padrões atuais.
Sem contar que ainda tínhamos meio Jacarepaguá e Brasília nos calendários. E transmissões a rodo na TV, inclusive com a criação de um projeto ousado que acabou durando pouco na RaceTV – canal pioneiro das transmissões online em uma época que o YouTube ainda engatinhava.
Rolou até corrida da Pick-up Racing no Mega Space, uma pista provisória em Santa Luzia (MG) – outra corrida no Estado só aconteceria dez anos depois com o surgimento do Circuito dos Cristais em Curvelo. A prova está acima.
Como para muitos o termômetro sempre foi a atuação internacional, podemos começar por essa parte sem problemas: protagonismo na F1 com Felipe Massa, além de Rubens Barrichello firme e nomes fortes trabalhando como pilotos de testes e nas academias que começavam a surgir (como Nelsinho Piquet, Lucas di Grassi e Ricardo Zonta na Renault).
Também sustentavamos o protagonismo na Indy com Tony Kanaan e Helio Castroneves, protagonismo na GP2, atual F2, com Senna e Piquet, além de muitos pilotos despontando nas divisões de base, como Felipe Nasr, Luiz Razia, Mario Moraes, Diego Nunes, entre muitos outros que certamente esquecerei.
Foi nessa época em 2008 que Senna venceu em Mônaco pela GP2 e causou a maior comoção nos mais nostálgicos. Tivemos até o retorno do Antônio Pizzonia fazendo algumas corridas por lá.
E a F1, por intermédio da Renault e da Red Bull, conduziram dois grandes roadshows. O da Renault no Ibirapuera; o da Red Bull, em Brasília, ambos em 2008, quando vencemos o Mundial por 30 segundos. Fora as grandes festas de encerramento da temporada: em 2007 no Estádio do Morumbi e em 2008 no MAM, ambas, claro, organizadas pela Red Bull, no auge de sua inovação e investimento em automobilismo tanto fora quanto aqui. Ah, e também tivemos a Le Mans Series, embrionária do WEC, decidindo a temporada 2007 em Interlagos e consagrando a Peugeot com seu protótipo a diesel.
No âmbito nacional, o cenário foi o melhor que eu, como jornalista esportivo focado em automobilismo desde 2001, vi até hoje. A Stock Car, com seus 40 carros, 4 montadoras, álbum de figurinhas, a ousada e revolucionária Corrida do Milhão de Dólares, provas na Argentina, grandes marcas, pilotos e totalmente ao vivo na Globo, surfava a maior onda da sua história e extraiu o máximo dela até o ano passado, quando chegou o momento de se reinventar. E, sem esses dois anos de auge absoluto, ela talvez não teria a mesma base segura para enfrentar os últimos anos e sobreviver a um 2020 onde a pandemia dificultou ao máximo sua nova reinvenção.
Além de uma Stock Car saudável, também vimos nascer um campeonato que todo mundo sempre tinha sonhado: o GT3 Brasil, filial sul-americana do campeonato que era a menina dos olhos do momento na Europa, contando com grande patrocinadores principais como Telefonica, Itaipava, mas sucumbindo cinco anos depois por crises internas. Por linhas tortas, hoje ele é representado em parte pelo Endurance Brasil, que abraçou as divisões GT3 e GT4 entre suas diversas classes.
Começando de forma tímida em 2007, o ano seguinte foi o maior deles, com carros que muitos de nós (incluindo o que vos escreve) nunca imaginou que pudesse ver correndo por aqui, como Ford GT, Dodge Viper, Mercedes AMG, Lamborghini, Ferrari, e Porsche, entre outros, que só costumávamos ver em provas como Mil Milhas. Claro, sem esquecer a Porsche Cup Brasil, completamente estabelecida e criando seus próprios personagens, como Miguel Paludo, Constantino Jr. e os irmãos Baptista, entre outros que seguem fazendo parte do grid da categoria até os dias atuais.
O momento era tão sensacional que pudemos ver o retorno de Emerson Fittipaldi ao automobilismo nacional, correndo com um Porsche ao lado do irmão Wilsinho. Essa notícia eu posso me orgulhar de ter publicado em primeiramão e de forma exclusiva no Grande Prêmio, onde era subeditor na época. E não foram só os dois que deram o ar da graça: Andreas Mattheis, Ingo Hoffmann, Amadeu Rodrigues e até o cineasta Walter Salles (com um Ford GT em parceria com Ricardo Rosset, vencendo corridas) participaram das primeiras temporadas.
Talvez a única coisa que não mudou muito e já deixava um sabor agridoce na boca eram os monopostos. A F-Renault tinha encerrado suas atividades no fim de 2006 após o término do contrato de cinco anos com a promotora PPD, de Pedro Paulo Diniz. Com isso, por dois anos só tivemos a F3 sul-americana de “relevante” – perto da magnitude que era no começo da década, estava mais para “irrisória”, mas mesmo assim revelava seus nomes, a maioria oriunda da F-Renault, como Clemente Faria, Rafael Suzuki, Mario Romancini, Felipe Guimarães, Pedro Nunes, para citar alguns. Até o saudoso Guido Falaschi correu entre nós em 2008.
Enquanto isso, por trás dos panos, Felipe Massa mexia os pauzinhos para criar o que seria a F-Futuro, uma grande ideia que fracassou retumbantemente por falta de apoio e interesse, mesmo com um Felipe Massa, uma Fiat, uma Bridgestone e um Santander por trás. Vai entender, mas isso também é assunto para outra conversa.
Se você chegou até aqui na sua leitura e viveu essa época, independente de idade, já tem motivos suficientes para concordar comigo que a gente era feliz naquela época, mesmo com um título mundial de F1 escapando pelas mãos. E que também fomos privilegiados por saborear esses anos especiais, pois, infelizmente, anos como os de 2007 e 2008 nunca mais se repetirão por esses lados daqui. Por isso, cabe a nós celebrar e manter vivas essas memórias.