Motores V12 aspirados não têm muito tempo de vida até serem extintos deste planeta. A Ferrari V12 Superfast e o Lamborghini Aventador SVJ não desistirão desta causa sem uma boa luta. Por Georg Kacher | Edição Alan Magalhães | Fotos Tom Salt
Não tem jeito, esta é simplesmente a ‘tocada’ mais excitante possível. Nada se compara a isso, afirmo depois de um trecho insano de 20 minutos no comando do Lamborghini Aventador SVJ. Até que me deparo com a Ferrari 812 Superfast. Apesar de ser diferente de várias formas, a Ferrari é sutilmente mais recompensadora que o Lamborghini. Ambos me deixaram extasiado, excitado e energizado, mas também triste. Triste porque carros como estes não estarão entre nós por muito tempo.
Não são comuns, bem como os V12 que vêm rareando por baixo das novas formas e modelos. E os mais escassos deles são exatamente os aspirados, construídos para entregar a mais pura resposta e as mais tradicionais emoções. Enquanto um V8 supercharged ou turbo consegue entregar os mesmos números de potência e torque, as máquinas livres de 12 cilindros vivem em seu próprio planeta, das respostas imediatas do acelerador, personalidade aguda em regimes médios e sem medo de girar até o fim da faixa vermelha do conta-giros. Mas não são lenhadores brutos, entregam refinamento com lucidez, linearidade para erupção e boas maneiras para desempenho bruto.
O ponto negativo deste desempenho bruto é que qualquer V12 aspirado terá enormes dificuldades para atingir os índices obrigatórios de emissões e sempre gastarão muito mais do que unidades menores de resultado similar, sobrealimentadas e híbridas. Assim como uma raça, os V12 sem indução forçada podem estar fadados à extinção, mas não irão sem resistir. Fomos à região da Emilia-Romana, território tanto da Ferrari quanto da Lamborghini, para avaliarmos estes dois importantes sobreviventes, a 812 Superfast e o Aventador SVJ, subindo serras e descendo estradas sinuosas para checarmos o que estes dois são capazes de fazer, que os outros não são.
Os dois berram alto, bebem muito, são dramáticos e desafiadores em velocidade, mas cada um tem seu caráter
O Lamborghini com tração integral e motor entre-eixos é de uma edição limitada do Aventador, a SVJ, com diversas mudanças, incluindo novas cabeças de pistões e volante do motor mais leve. A Ferrari 812 Superfast, de motor dianteiro e tração traseira, é a sucessora da F12.
Numericamente eles são muito parecidos. O bloco do motor Ferrari com bancadas a 65º acomoda 6.496 cc, enquanto o V12 do Lamborghini, a 60º, tem apenas 2 cc a mais. Ambos entregam o pico de torque a 8.500 rpm; 789 cv na 812 e 759 cv no Aventador SVJ; vantagem da Ferrari creditada a seus sistemas de admissão e escape. São muito parecidos no torque: 73,2 kgfm contra 73,4. O peso dos carros sem líquidos é idêntico: 1.525 kg.
No papel, o desempenho dos dois também é quase idêntico: a 812 Superfast vai da imobilidade aos 100 km/h em 2.9 s e chega os 200 km/h em 7.9 s, chegando à máxima de 352 km/h, enquanto o Aventador SVJ precisa de 2.8 s para os 100 km/h e 8.6 s para os 200 km/h, com máxima de 350 km/h.
Os números podem ser quase iguais, os dois carros berram alto, bebem muito, são dramáticos e desafiadores em velocidade, mas cada um tem seu caráter. O que os deixa diferentes é o conjunto de cada um. Todos, exceto os bem magros, reclamarão de entrar e sair do SVJ, e uma vez lá dentro, perceberão que os bancos não são nada sociáveis, a pedaleira é estreita, há pouco espaço para cabeça e a visibilidade é terrível. Semáforos invariavelmente saem do campo de visão, o enorme ponto-cego lateral traseiro pode se transformar num caro jogo de tentativa e erro, seus joelhos estarão sempre em conflito com alguma coisa e a mistura de detalhes Audi/Lamborghini ainda não parece correta, sete anos depois do lançamento do Aventador.
Ambos entregam seu melhor em estradas rápidas, como dois objetos alienígenas entre os outros carros, como se guiados por uma estrela distante.
Em comparação com o Lambo, a Ferrari é quase uma suíte de luxo. Os bancos vêm em três tamanhos, espaço para as pernas é um alívio, a visibilidade poderia ser bem melhor e não é preciso muito tempo para dominar os programas de condução no ‘Manettino’ com desenvoltura.
A frente da Ferrari é tão longa que acho que não se enxerga a ponta dela num dia de neblina forte, os controles secundários são complicados e o diâmetro de esterço é enorme. Vamos colocar tudo isso em perspectiva: eles não são carros confortáveis, espaçosos, para você dirigir todos os dias, e não têm espaço para bagagem. Conduzidos de forma radical, ambos trincarão seus dentes, tatuarão suas palmas e esmagarão alguns discos da sua coluna.
Dar a partida neles enfatiza suas diferenças. No SVJ, seu dedo indicador levanta a proteção vermelha que cobre o botão de partida. Na 812, o ativador vermelho liga-desliga está a um movimento de dedo no confuso volante. O motor Ferrari responde com vigor ao apertar o botão de partida, que eleva os giros logo depois da 1ª explosão, para baixar os giros quando a marcha-lenta se estabiliza. O V12 Lamborghini inicialmente parece embaralhar a ordem de ignição, enquanto se prepara para o berro que dá início à ação. Ainda à procura do ritmo certo, a marcha-lenta eventualmente se manifesta por si própria, parecendo estar limpando suas várias gargantas.
A resposta do acelerador do Lambo se parece com um raio e trovão ao mesmo tempo, portanto, pense duas vezes antes de desativar seu controle de estabilidade, pois tudo o que você precisa para perder o controle deste carro está muito próximo de seu pé direito ou de uma pequena imperfeição da pista ou mesmo algumas folhas sobre ela. A tração integral ajuda, mas a separação de torque claramente privilegia as rodas traseiras. Mesmo em velocidade moderada, em condição de baixa aderência, você vai contra esterçar o volante a toda hora. Ele é temperamental.
Acima de Pistoia, no coração do país dos javalis, os dois carros pedem diferentes formas de serem conduzidos. Em extremo, a Ferrari é rápida em passar de frente grudada para traseira que escapa. Nas mesmas estradas e nas mesmas velocidades, o Lamborghini igualmente dá trabalho, mas parece um pouco mais rápido nos contornos de curva, graças à tração integral. Se ela traciona as rodas dianteiras para ajudar o carro a se equilibrar e fazer as curvas com mais perfeição, o sistema adiciona peso, deixa a direção sem ação quando se entra muito rápido em curvas lentas e dificulta sua agilidade.
A 812 Superfast é enfaticamente tração traseira, mesmo numa estrada reta, seca, com o acelerador em meio curso. A instalação do câmbio na traseira proporciona distribuição perfeita de peso, há sempre tempo suficiente para alertar o diferencial eletrônico e o controle de estabilidade. Com estes auxílios eletrônicos desligados, a Ferrari fica propensa a escapadas e derrapagens descontroladas.
A 812 encoraja seu condutor a forçar cada vez mais nas curvas, provocando enorme aceleração lateral e estimulando o despejo de torque nas rodas motrizes, para que as correções sejam feitas através do volante e acelerador. Em segunda marcha, a Ferrari de bom grado acende as fogueiras quando próxima do limite.
Na autoestrada o Aventador é um tubarão por excelência. Seus freios respondem como um interruptor de luz; instantâneos. A direção ainda pesada e direta trabalha com precisão microscópica. Em velocidade, os amortecedores assumem sua mais baixa posição e calibração mais firme. O conjunto ALA de aerodinâmica ativa aumenta a pressão ou reduz o arrasto acima dos 200 km/h, enquanto seu sistema de efeito-solo direciona o fluxo de ar para as rodas que mais precisarem dele, através de vários flaps motorizados invisíveis.
Enquanto a Ferrari amacia seus amortecedores ao segundo leve toque de seu dedo em um comando dividido, o Aventador, bem mais extremo, se rebaixa mesmo no programa Strada até que a luz de alerta do controle de chassi se acenda. O SVJ se sente mais ‘em casa’ em um autódromo que a Ferrari, enquanto a 812 é muito melhor que o Lambo numa estrada mais estreita e com piso ruim. Ambos entregam seu melhor em estradas rápidas, onde se parecem com dois objetos alienígenas ziguezagueando entre os outros carros, como se guiados por uma estrela distante.
E sobre as rodas traseiras direcionais, equipamento standard nos dois supercarros? É impossível detectar a transição entre as duas situações em que atuam, portanto, não há efeito negativo sobre a dinâmica dos carros em função delas.
O quanto eles são antissociais de verdade? Ambos consomem muito, o Lamborghini, em particular. E eles não são apenas barulhentos, vêm acompanhados de estouros, estampidos e chamas. Em certas circunstâncias o ronco alto é uma virtude, combina com estes carros. As pessoas adoram o espetáculo, não tem jeito. Nossos três dias com estes carros nessas estradas, vimos queixos caindo, cachorros latindo e pulando animadamente, guardas mais preocupados em admirar do que fiscalizar e adolescentes fazendo loucuras em suas scooters para tirar uma foto. Na classe trabalhadora italiana, onde os diesel e compactos de três cilindros dominam a cena, os dois supercarros barulhentos foram recebidos com entusiasmo e orgulho nacional, sem nenhuma manifestação contrária ou de inveja, como é bem comum nesses dias, digamos, intolerantes.
No entanto, na estrada aberta nos sentimos menos heróis; muitos motoristas não fizeram a mínima questão de nos abrir passagem. O ideal mesmo é fugir para o interior com estes carros, onde o tráfego tende a ser mais leve e as curvas mais atraentes.
Escolher um desses V12 é uma coisa totalmente subjetiva, como escolher entre vinho tinto ou branco. Cada um tem seu encanto e seu momento. O motor do Lambo é a última evolução de uma lendária linhagem tão antiga quanto a marca. A Ferrari embarca uma unidade mais avançada e econômica, mas assim que os giros sobem, tudo fica explosivo. A lógica diz que estes carros são rápidos demais para o tráfego habitual, muito radicais para estradas normais, muito desafiadores para proprietários normais e vulneráveis demais para uso no dia a dia. Mas uma coisa é certa. Sentiremos muitas saudades quando eles se forem.
Lamborghini Aventador SVJ
>Preço na Europa R$ 1,8 milhão
>Motor V12 6.498 cc 48V, 759 cv @ 8.500 rpm, 73,4 kgfm @ 6.750 rpm
>Transmissão 7 marchas sequencial, tração integral
>Desempenho 0 a 100 km/h 2.8 s, 350 km/h, 6,5 km/l, 486 g CO2/km
>Peso 1.625 kg (est)
>À venda Edição esgotada
Ferrari 812 Superfast
>Preço na Europa R$ 1,35 milhão
>Motor V12 6.496 cc 48V, 789 cv @ 8.500 rpm, 73,2 kgfm @ 7.000 rpm
>Transmissão 7 marchas automático, dupla embreagem, tração traseira
>Desempenho 0 a 100 km/h 2.9 s, 352 km/h, 8 km/l, 340 g CO2/km
>Peso 1.625 kg (est)
>À venda Disponível