Antes de ser um dos narradores e comentaristas mais autênticos do Brasil, Edgard Mello Filho foi piloto. E dos bons, viu?
Edgard Mello Filho possui dois fãs doentes: Rodrigo Mattar e eu, Bruno Vicaria. E a gente quando pode troca figurinhas – Rodrigo, Edgard e eu. Só uma vez esse encontro triplo rolou ao vivo, em 2008, mas agora é tudo por e-mail, facebook ou whatsapp.
Recentemente, Mattar me mostrou esse Chevettinho e eu não pensei em duas vezes: mandei pro Edgard, que hoje é um dos grandes nomes do Fox Nitro.
A resposta: um áudio de cinco minutos. E quando ele me manda esses áudios, eu me acomodo bem, coloco meus fones de ouvido e sento para ouvir, pois é certo que vem uma história deliciosa.
Só que essa vocês vão ler em primeira pessoa e em versão ampliada, pois conversamos sobre isso hoje mesmo e ele deu mais detalhes. Com vocês, Edgard.
Queria saber onde vocês descolam essas velharias. Essa é rara, viu? Tenho umas fotos, mas quando estávamos montando o carro. Ele é “Made in São Caetano do Sul”, fiz inteirinho e fui pegar os gaúchos na unha no Sul, correndo no Gaúcho de Divisão 3.
Ganhamos umas corridas lá. Foi legal, viu.
O carrinho não era nenhum “sputnik”, mas ficou um aviãozinho. Tinha algumas versões de motores. Chegamos a arrancar 135 cavalos de um motorzinho, mas só que ele quebrava no banco de prova… Tentamos algumas outras versões com 118 e 120 hp. A gente ia experimentar em Interlagos, mas dava cinco, seis voltas e desbielava. O motor era tudo no limite, tudo fininho, o pistão cortado menos da metade, biela superaliviada, pino de pistão, etc… E a cavalaria era minha, metia uma tachinha de 10 por 5 ou 11 por 1 e arrancava seus 120 cavalinhos. Mas espacava.
A melhor solução era um motorzinho de 105, 107 cv que aguentava duas corridas, era mais resistente, mas a gente tinha que enfiar outro para a próxima! Ou a gente segurava pro treino e a classificação e trocava por outro na corrida. Peça não era problema naquela época.
Foi um carrinho muito bem feito. Na solução de pneus, tínhamos uma roda de 12 polegadas atrás e 9 na frente. Virava bem, era pregado no chão, mas me empurrava a frente e me incomodava. Pra tirar esse cacoete a gente mexia em barra, em geometria, mas aí um dia, por dica do Ciro Cayres, que trabalhava na experimental da GM, enquanto eu ficava na engenharia de motores, mandou colocar quatro dianteiros no carro; como as rodas eram intercambiáveis ficou tudo com 9. Aí, baixamos mais de 3s em Interlagos e a traseira não segurava tanto, escorregava mais.
Era delicioso. O próprio cambiozinho de cinco marchas, mexer na relação quebrar a cabeça com os caras da Clark, que fazia nosso câmbio. A turma da experimental ficava depois do expediente, tudo gente que gostava. A gente arrumou um barracão em São Caetano e ficava a putada toda até meia noite fuçando.
Aí fomos pro Sul, requisitei alguns mecanicos. Seu Romeu, do experimental; Rosevaldo, dos motores; o Tide… Subimos no caminhão e bora para Porto Alegre.
Toda vez que vejo essa foto eu rejuvenesco uns dez anos! Deu trabalho esse carrinho e era uma delícia. Eu queria ir em frente nesse projeto e fui na casa dos caras, lá no Sul! Fui lá, ganhei algumas, perdi outras, mas o bom da derrota é ir atrás para arrumar os erros e continuar fuçando, sem acomodar para não tomar na orelha.
Fazer aquela 1 de Tarumã de pé embaixo deixava o povo louco. “Mas bah, tu tá fazendo de pé trancado?”, eles me perguntavam, e eu respondia que sim, pois não estava indo para a missa para ter de tirar o pé!
Esse carrinho deu muita dor de cabeça, esse sem vergonha. Rebelde. Ele não levava desaforo para casa, desbielava no primeiro! Mas me deu muitas alegrias e segue me dando, agora em forma de lembranças!
Foi bom. Saudades.