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Triplamente destilados

Pegue três supercarros, ajuste-os como se fossem para um autódromo, mas leve-os para as melhores estradas do País de Gales. Qual seu palpite? Por Chris Chilton | Edição Alan Magalhães | Fotos Greg Pajo

CarMcLaren 600LT

Tração integral e traseira; motor central e traseiro; aspirado e turbo; R$ 685 mil, R$ 900 mil e R$ 1.05 milhão (na Europa, sem impostos). Raramente um comparativo radical da CAR Magazine reúne carros tão diferentes. O que eles têm em comum e a parte esquisita deste Diagrama de Venn é o que define seus atributos. Estes carros estão a um passinho do autódromo, mas se sentem absolutamente confortáveis quando estacionados em frente a um café, ou desfilando por bulevares pelo mundo.

De grandes histórias e traseiras longas, especificamente o McLaren 600LT é o mais novo supercarro pronto para uma pista ou sua garagem, quando a loteria lhe sorrir. A estratégia de nomenclatura ou de design da McLaren não ajuda em nada; mesmo fanáticos por carro precisam de uma dupla olhada para terem certeza de que modelo se trata. Então, para ser claro, o 600LT faz parte da gama de entrada da McLaren, chamada de Sport Series que até então consistia no 540C, 570S e o 570GT. Assim como nesses carros, os três números referem-se à potência em cavalo de força métrico/vapor, assim, o 600LT tem 600 ps, cerca de 592 cv extraídos de seu V8 biturbo 3.8 l.

Quanto à sigla LT, ele se refere às traseiras alongadas do McLaren F1 de rua para as provas de Le Mans nos anos 90, no lugar de um aumento real no comprimento (o 600 é 75 mm mais longo que o 570S, mas o crédito deste ganho é dividido entre a frente e a traseira). A primeira aparição do nome na era moderna aconteceu no 675LT, um leve, radical e rápido descendente do 650S.

Na sua configuração mais leve e com todos os truques acionados, o 600LT de 1.356 kg pesa 100 kg menos que um 570S standard. Para lidar com o menor peso, os apêndices aerodinâmicos geram 100 kg extras de pressão, incluindo um spoiler dianteiro e um aerofólio fixo traseiro, cuja sessão central é recoberta com um produto especial para protege-la das chamas que saem pelo escapamento e iluminam a traseira. Na verdade, outros supercarros também produzem flamas, mas não nos lembramos de vê-las no retrovisor. Será que dá para encomendar apenas isso na McLaren e embrulhar para viagem?

Estes carros estão a um passinho do autódromo, mas se sentem absolutamente confortáveis em bulevares pelo mundo.

Ao preço equivalente a R$ 900 mil na Europa, o 600LT situa-se claramente entre o 570S de R$ 725 mil e o maior, mais rápido, mas supostamente menos focado conceitualmente 720S, de R$ 1 milhão. A este preço, parece vantajoso em relação ao R$ 1,050 milhão do Lamborghini Huracán Performante.

Diferente da McLaren, a Lambo utiliza nomenclatura diversa para diferenciar seus modelos: SV, ou Super Veloce para o Aventador V12 e Performante para o Huracán V10. Mas a receita é a mesma. Mais potência, 631 cv do V10 5.2 l aspirado para ser preciso, menos peso e desempenho capaz de lhe render uma citação no quadro de feitos em Nordschleife. Em 2017 o Performante foi por pouco tempo o recordista da mítica pista alemã, arrebatando o título do hipercarro Porsche 918 com o tempo de 6´52”01, que depois foi superado pelo Porsche 911 GT2 RS e um próprio Lamborghini Aventador SVJ.

Para registro, o irmão menor do GT2, o GT3 RS de R$ 685 mil que estamos testando, virou 6´56”4 em Nürburgring. Assim como o 2 RS, o 3 vem com suspensão de competição de buchas rígidas, dutos NACA gulosos por ar instalados no capô e um aerofólio comparável a uma mesa de pic-nic, enviando sua potência exclusivamente para as rodas traseiras através de uma caixa de sete marchas de dupla embreagem. Se preferir, você pode ter uma manual de seis no GT3 (obrigatória no GT3 Touring), mas o RS vem apenas com o PDK. Diferente dos 692 cv do irmão mais velho GT2 RS, o GT3 RS está livre de turbina. Seu 6 cil. boxer 4.0 l aspirado rende – comparativamente – modestos 513 cv, mas promete muito mais ronco e respostas mais afiadas do acelerador para compensar.

Apesar do aparato aerodinâmico, ele ainda tem formato de 911, o que, para muita gente, é importantíssimo. Um sujeito numa BMW S1000RR superbike, o equivalente com duas rodas a este trio, parou, deu uma olhada nos três carros e disse: “Tem que ser o 911, né? Os outros são carros de jogador de futebol”.

Mas para outra tribo igualmente fanática, o visual de sempre, mesmo com todas estas asas e rodas grandes e suas porcas centrais únicas e lindas encaixadas nas caixas de roda, fazem com que o RS simplesmente não se pareça nem um pouco com um supercarro. Parece mais uma versão incrementada de um simples Carrera.

“Aquele”, dirão em relação ao Lamborghini, se parece com uma cunha em movimento que faz um ruído mecânico ameaçador que mereceria até uma advertência no final de seus comerciais na TV: “É assim que um supercarro deve ser”. Entre nele e a visibilidade através de seu para-brisa quase na horizontal é exatamente aquela que você imaginava num Countach ou Diablo quando era criança. A base do para-brisa é tão distante que você precisaria de um daqueles catadores de papel utilizados pelos garis, se o seu ingresso para o show fosse parar por ali. O volante é quase paralelo, o painel em tela de alta definição é configurável e há hexágonos por toda parte. É como estar dentro de uma colmeia gótica.

Trata-se de um supercarro acessível, mas se você ainda tiver 11 anos de idade, vai se desapontar ao saber que suas portas não abrem como tesouras (isso é reservado ao Aventador V12). Mas se sua idade já está bem mais avançada, o problema mesmo será a falta de espaço para a cabeça. Assim como em todos Huracán, o banco é montado muito no alto.

Já o McLaren 600LT satisfaz seus desejos infantis e adultos. Passe a mão por baixo da lâmina lateral que parece flutuar em relação à carroceria, aperte o acionamento e a porta se ergue suavemente. O pessoal de Woking (sede da McLaren) não reserva as boas coisas para seus clientes mais ricos. Se você comprar um supercarro de entrada 540C de R$ 655 mil ou um Speedtail de R$ 8,5 milhões, terá ótimas portas. Os compradores de LT ganham a mesma versão do V8 e um belo chassi de fibra de carbono também, apesar de que um é construído no método de colar peças pré-produzidas ao invés de um quase inteiriço feito à mão. E você terá uma posição de direção que não deixa dúvida de que foi definida com a ajuda de humanos, não apenas de bonecos no CAD/CAM. Há também a opção pelos maravilhosos – e caros – bancos do Senna, com sua exuberância traduzida em muita fibra de carbono.

Na verdade, você precisará de uma cadeira bem confortável quando souber que estes bancos fazem parte do Clubsport Pack da MSO (McLaren Special Operations), basicamente uma adição massiva de fibra de carbono. O ‘pacote’ contribui com metade dos R$ 290 mil embarcados em nosso modelo só de opcionais (ironicamente ele veio sem ar-condicionado e rádio em nome da leveza), que empurram seu preço a quase R$ 1,1 milhão, ou ao território do 720S com todos os opcionais. Isso rende uma boa conversa.

Por todas essas peças de fibra de carbono e o interior Design do McLaren, a cabine fica mais parecida com o que a Lotus faria numa segunda geração do Evora. Não se trata de baixa qualidade, talvez seja porque há tão pouca coisa lá dentro que ela acabe se parecendo simples. Não há porta-luvas e a ergonomia não é fenomenal: o sistema opcional que levanta a frente para evitar que raspe demais deveria ser operado através de um botão dedicado no console, mas, no entanto, você precisa navegar por alguns sub-menus utilizando botões na coluna.

Talvez os engenheiros da McLaren nem tenham dado muita importância a isso antes de andarem com o carro. O 600LT é simplesmente o maior exemplo de como um esportivo deve andar e dar prazer ao dirigir. Com 1.356 kg, ele é o mais leve do comparativo, 124 kg mais leve que o Lambo e com 74 kg a menos que o Porsche. E você sente isso. Você provoca o 600LT como provocaria um Lotus Elise e sente que seus pneus dianteiros estão conectados ao asfalto e filtrando o piso para o restante do carro.

A McLaren informa que a direção é 3% mais rápida que a do 570S, mas não é a velocidade que você percebe, mas a precisão extra nas sensações que chegam às suas mãos passadas pelo sistema. Ela é leve na ponta dos seus dedos, mas com respostas intensas, não tanto quanto às do Senna, que parece um cão farejador à procura de qualquer imperfeição no piso. E esta intensidade das respostas é tão rápida que requer atenção quando você anda rápido com o carro.

Você sente a atuação extra do controle de estabilidade em comparação com o 570S, mas a suspensão – com molas convencionais, no lugar do sistema hidráulico interligado, como do 720S – nunca parece dura demais, mesmo quando você passa o programa de Normal para Sport. A opção Track só é boa para autódromos mesmo, e lá ela fica muito divertida.

O Lambo também não entrega vida fácil ao condutor. Sua estranha posição de condução e visibilidade inferior minam sua confiança. E se no McLaren a direção parece naturalmente sem esforço, os engenheiros de Sant´Agata parecem ter se inspirado nos colegas de Maranello, na tarefa de conceber um sistema hiper-rápido. Não há aquela confiança imediata, apesar de não comprometer, mas apenas uma leve desconfiança de que as coisas não são tão fáceis.

Saio com o Performante agora claramente com a certeza de que não se trata de um carro para jogadores de futebol, como disse o motociclista. Depois de pouco tempo, percebo que ele é muito mais que isso. De cara você sente uma frente totalmente colada ao chão, enquanto seu cérebro vai se acostumando com a forma da direção responder, concomitante à sua vontade de exigir mais dele. Não há o mesmo nível de conexão entre asfalto, carro e condutor que você encontra no McLaren, mas o Performante é muito alerta. O fato de contar com os Pirelli P-Zero que calçam as quatro rodas de 20 pol., também ajuda muito na construção desta segurança em condução superesportiva.

Ao acionar a tecla Anima no volante, você altera a distribuição de torque, mapeamento da direção, carga dos amortecedores e de trocas de marcha através dos programas de condução: Strada deixa o carro mais relaxado, já o programa Corsa é indicado apenas para autódromos, ou para momentos em que você quer extrair o máximo do carro. O modo Sport envia tração mais na traseira, tornando as coisas bem divertidas e é o meu preferido.

Porém, nada é mais divertido que o GT3 RS. Daria para dizer que a direção do Porsche é muito parecida com a do McLaren em termos de envolvimento em altas velocidades, não apenas quando os carros estão apoiados sobre seus pneus. Mas a do Porsche é mais direta, não mascara em nenhum momento sua atuação, como faz a do McLaren. E assim como seu irmão 911 Turbo, o RS tem as quatro rodas direcionais. A tecnologia de rodas traseiras direcionais integra-se brilhantemente ao sistema de direção do carro. O único momento em que parece óbvia é em velocidades baixas, quando ajuda o carro a manobrar em espaços apertados. Em qualquer outra situação ele passa despercebida, seja contra ou a favor das rodas dianteiras. Exija ambiciosamente do carro e a falta de peso na frente do carro se manifesta num sutil subesterço, mas o conjunto permanece absolutamente colado ao chão.

Comparado ao antigo GT3 RS, a carga de molas aumentou muito: foi dobrada na frente e está 50% maior na traseira. O controle de estabilidade é impecável, porém, os amortecedores PASM adaptativos quando selecionados para carga máxima, tornam a experiência sobre uma estrada imperfeita um exercício de fisioterapia. As suspensões que utilizam juntas esféricas rígidas no lugar de buchas de borracha, ajudam muito a dar precisão aos movimentos do sistema e a manter o carro sempre sob controle.

A McLaren é imbatível na arte de fazer carros com dirigibilidade perfeita

Leve o 6 cil. boxer dos 1.000 aos épicos 9.000 rpm limítrofes no conta-giros e você experimentará uma sensação que jamais se esquecerá. Entre 8.000 e 9.000 rpm, o 4.0 l emite o melhor ronco de qualquer carro produzido no planeta. É um deleite rápido, pois o câmbio PDK se encarrega de ‘estragar’ a brincadeira ao lidar com os relativamente parcos 47,9 kgfm de torque trocando marchas o tempo todo, ao menor sinal de falta de pressão do seu pé direito no acelerador. Com tudo isso, o RS chega aos 100 km/h em 3.2 s, mas quero realmente contar a história inteira. O motor responde bem a partir de baixos regimes, mas pouca coisa acontece abaixo dos 5.000 rpm.

Se você tiver menos paciência, o Lambo responde mais forte em baixos regimes, graças a seus 1.200 cc extras e da combinação da tração integral e potência extra de 118 cv que o ajuda a ser 0.3 s mais rápido para atingir os 100 km/h em relação ao 911. É o V10 do Performante que define este carro. Ele ronca forte, urgente e intimidador desde o momento que você acessa a cobertura do botão de partida e coloca suas mãos nas suas lindas borboletas de trocas em fibra de carbono. Ele é melhor que o Porsche na utilização da faixa de rotações e iguala-se ao GT3 RS aspirado na resposta do acelerador.

E é nesse ponto, contra este tipo de desempenho, que o McLaren se dispersa. O 600 é um carro fantástico, com caráter próprio e personalidade que o separa de outros modelos da linha McLaren. Dinamicamente ele leva este comparativo de lavada. É estupendamente rápido: tão rápido quanto o Lambo de 0 a 100 km/h e sem o benefício da tração integral, apesar da perda com o ‘turbo-lag’.
Porém, testes comparativos são arenas brutais e você não pode simplesmente dirigir um GT3 RS ou o Performante e então entrar no 600LT sem achar que o McLaren é mais excitante ou que ele faça a conexão mais pura entre seu pé direito e as rodas traseiras. Não é assim que você deveria se sentir sobre um carro tido como um dos mais excitantes esportivos, ou superesportivos do mundo?

Talvez num autódromo, com o capacete abafando os sons e a transmissão de dupla embreagem anulando qualquer resquício de hesitação das turbinas, quem sabe? Mas por todo seu apelo, estes carros precisam empolgar também nas ruas, não apenas nas pistas. Sim, o 600LT é muito rápido quando as turbinas estão a pleno, e claro, ele solta flamas lá atrás. Mas um show de fogos de artifício nunca será o mesmo sem as explosões.

O GT3 RS não é perfeito, mas custa R$ 215 mil (na Europa) a menos que um McLaren e R$ 365 mil menos que o Lamborghini, e não precisava ser. Ele não oferece muitas vantagens práticas, pois não tem banco traseiro (e nem acesso a este espaço, se seu modelo vier com o Weissach Package e seu santantônio) e para alguns ele simplesmente não é um supercarro. Outros ficarão desapontados com a faixa média de rotações e com seu visual relativamente ordinário. Mas ele vence aqui porque é capaz de imergir seu condutor na ação – e em todos os aspectos dessa ação – de uma forma que os dois rivais não conseguem. Acima de tudo, há a pureza da experiência que só um GT3 RS consegue oferecer, autêntica, que o difere de seus rivais. Ele é muito mais que apenas mais um 911.

Lamborghini Huracán Performante
>Preço na Europa R$ 1,050 milhão
>Motor V10 5.204 cc 40V
>Transmissão 7 marchas automático dupla embreagem, tração integral
>Suspensão Triângulos duplos nas quatro rodas, molas helicoidais
>Material Alumínio, compósitos

McLaren 600LT
>Preço na Europa
R$ 900 mil
>Motor 
V8 biturbo 3.799 cc 32V
>Transmissão
7 marchas automático dupla embreagem, tração traseira
>Suspensão
Triângulos duplos nas quatro rodas, molas helicoidais
>Material
Fibra de carbono, alumínio

Porsche 911 GT3 RS
>Preço na Europa
R$ 685 mil
>Motor
6 cil. boxer 3.996 cc 24V
>Transmissão
7 marchas automático dupla embreagem, tração traseira
>Suspensão
McPherson dianteira, Multi-Link traseira, molas helicoidais
>Material
Aço, alumínio, fibra de carbono

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