Existe um lugar onde leite é tão bem aceito quanto um piloto brasileiro: o oval de Indianápolis. Porém os dois um dia acabaram se estranhando. Por Bruno Vicaria
O Brasil é o país onde a cerveja é uma tradição tão grande quanto o futebol, a feijoada e o samba. Chico Science até disse uma vez que “uma cerveja antes do almoço é muito bom para ficar pensando melhor”.
A cervejinha sempre serviu como um motivo para confraternizar e socializar. Tanto que os amantes da loira gelada adoram falar duas frases: “Nunca fiz amigos bebendo leite” e “Se não aguenta bebe leite”.
Relegado a uma mera bebida de crianças em terras brasilis, o leite pôde dar seu troco nos Estados Unidos, onde ele é tratado com status de superstar. Afinal, o leite casa muito bem com as gordices que eles tanto amam.
Mas existe um lugar onde o leite é tão bem aceito quanto um piloto brasileiro: o oval de Indianápolis. Porém os dois, como mostramos no histórico acima, um dia acabariam se estranhando.
Mas antes vamos falar mais de leite.
Hoje uma tradição inabalável, o leite entrou em cena pela primeira vez em Indianápolis no ano de 1933. Após ganhar a prova, o vencedor Louis Meyer (foto acima, retirada do site gringo da Car and Driver) pediu um copo de buttermilk (soro de leite coalhado), algo que sua mãe lhe dava em dias quentes. Em 1936, ele fez a mesma coisa.
Os norte-americanos, especialistas em promoções publicitárias, viram no leite uma grande oportunidade de fazer negócio. Como a atitude de Meyer se tornou algo muito associado à prova, uma marca de leite passou a patrocinar a prova.
A partir de então virou tradição. Teve uma vez, em 1981, onde Bobby Unser não bebeu o leite no círculo da vitória. Mas, curiosamente, ele teve sua conquista retirada horas depois e o herdeiro do triunfo, Mario Andretti, tomou leite na sessão tradicional de fotos do dia seguinte à prova.
Mais aí veio 1993 e Emerson Fittipaldi venceu a prova de forma espetacular. No círculo da vitória, ele simplesmente deixou o leite de lado para tomar suco de laranja. O motivo era tão publicitário quanto o que fez o leite retornar à prova: Emerson tinha, como todos sabem, produção de suco. Só depois, forçado por Roger Penske, ele bebeu o leite (cena que não foi veiculada na transmissão). Veja ele “dando o golpe” no vídeo abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=uYdAVvqqhLA&feature=emb_title
Mesmo sendo amado pelos norte-americanos a ponto de ter uma rua com seu nome em Miami, Emerson deixou os fãs irados. Como resultado, na corrida seguinte, em Milwaukee, o brasileiro foi vaiado por todos na arquibancada ao ser apresentado ao público nas cerimônias pré-prova.
Podemos tirar duas lições:
– Emerson mexeu com uma tradição e mereceu ser vaiado. Nos dias de hoje isso jamais aconteceria – nunca que uma garrafa de laranja entraria no círculo da vitória. Daria uma treta muito maior, podendo até rolar processo.
Os amantes do leite, como o Boça, não estão sozinhos. Os que amam Indianápolis passarão a amar mais a prova; os que não amam poderão ver a prova com outros olhos. E tomando leite.